A Budega São Benedito e a Excelência aos Clientes

José Renato Sátiro Santiago
3 min readApr 22, 2019

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“A forma como tratamos nossos clientes, diz muito sobre o que somos”. Esta afirmação poderia ser de autoria de algum grande nome do mercado, talvez já até tenha sido dita por um, no entanto, chegou aos meus ouvidos, pela primeira vez, através de ‘Seo’ Benê, dono da ‘budega’, como os nordestinos costumamos chamar uma mercearia e/ou um bar, à frente da casa da minha avó Ruth no bairro do Mondubim em Fortaleza.

Muito simplório, este cearense de Jaguaribara, distante cerca de 200 Km da capital alencarina, acordava sempre muito cedo para ir até à Ceasa, a Central de Abastecimento, para comprar frutas, vegetais e outros ingredientes que fariam parte do ‘rango’ que iria preparar logo mais aos frequentadores de sua ‘budega’, a São Benedito.

Para chegar bem cedo e ter acesso ao que havia de melhor, saía de casa com o céu ainda escuro, por volta das 5:00, já de banho tomado e barba feita, lições aprendidas nos tempos de quartel e também, sobretudo, conforme afirmara certa vez seu velho pai: “…já que ‘ucê’ herdou de mim uma ‘lataria’ meio ‘baqueada’, trate de dar uma caprichada nela, senão tu tá é lascado…”

Verdade seja dita, a simpatia de ‘Seo’ Benê acabava por esconder a sua feiura. Além disso, ‘eita cabra cheiroso’. Qualquer hora que fosse do dia, estava de cabelo molhado, como se tivesse recém tomado banho. O perfume, ainda que doce, era bem característico e de longe era possível notar sua presença. Quando ele não estava na ‘budega’, ela parecia sem vida.

O motivo por todo este capricho, segundo ele, tinha também um viés comercial. No passado havia lido no antigo Almanaque “Eu sei tudo”, publicação que fora um sucesso durante a década de 1940, que ao estar sempre bem ‘alinhado’ para receber seus clientes, estava demonstrando uma atenção especial por eles, e que isto, certamente, geraria mais vendas para o seu ponto comercial.

Foi também por conta disso, que todos que lá chegavam eram recebidos com um bom dia emoldurado por um grande sorriso fácil. Para nós, crianças, um agrado extra. Poderíamos pegar no baleiro, qualquer bala que quissessemos, enquanto os adultos faziam suas compras. Sabido, acreditava que as crianças exerciam um papel importante de levar os pais para “a budega onde ganhamos bala”.

Ao final da noite, costumava fazer um caldo de mocotó, segundo ele, para dar mais energia aos seus clientes, que depois de um árduo dia de trabalho, ainda teriam que chegar em casa para ‘dar atenção aos meninos’ e ‘um chamego na patroa’. Para garantir isso, estabelecia algumas regras, cada ‘cabra’ podia beber até duas doses de Ypioca, aguardente de cana, que costumava comprar em Maranguape, terra natal de um conterrâneo ilustre, Chico Anysio. A justificativa era fácil, não queria ter problemas com as mulheres de seus fregueses no dia seguinte, uma vez que elas poderiam ir lá reclamar pelo fato dos seus maridos chegarem em casa, ‘melados’, e isso também poderia prejudicar suas vendas.

Com o passar dos anos ‘Seo Benê’ foi aprimorando seu negócio, até pão passou a fazer. Afinal, nada como ‘mergulhar’ um pão dentro do copo de café com leite, pela manhã, ou ‘xuxar’ no caldinho, ao final do dia. Foi com o dinheiro de seu comércio que fez com que seus três filhos se tornassem ‘dotô’. Viveu por mais de 50 anos com sua esposa, Dona Maria, seu único amor e a quem costumava tratar por ‘Inha’, o que restara de ‘maínha’ que era a forma com os filhos da vizinha, uma soteropolitana, costumava chama la.

Passados tantos anos, o que é a budega do Seo Benê hoje?

Tudo o que gostaríamos de ter em qualquer relacionamento comercial e pessoal. Algo simples, verdadeiro e fundamentado no bem querer.

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José Renato Sátiro Santiago
José Renato Sátiro Santiago

Written by José Renato Sátiro Santiago

Consultor e Professor, atuo e escrevo sobre temas relacionados a Gestão do Conhecimento, Inovação, Pessoas, Projetos e Lições Aprendidas

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