Uma história sobre um ídolo nas quatro linhas, Waldir Peres

José Renato Sátiro Santiago
5 min readMay 4, 2020

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Minhas raízes tricolores vêm de longe e, certamente, por conta do fato de meu tio Fernando Sátiro ter atuado pelo São Paulo. Ao contrário do que seria natural para muitas famílias, tal condição não foi suficiente para tornar os demais membros são-paulinos. Dentre primos, tios e tias, mais de 40 pessoas, apenas eu, meus pais e dois dos meus irmãos torcemos pelo Tricolor Paulista.

Era fevereiro de 1982 e, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro, o São Paulo iria enfrentar o Ferroviário em Fortaleza. Aos 11 anos e por estar em férias na capital alencarina, o convite para ir ao hotel onde a delegação são-paulina estaria hospedada foi recebido como um presente. Cheio de orgulho era uma oportunidade única de conhecer a equipe que era conhecida como “A Máquina Tricolor”, atual bicampeã paulista. Obviamente que os jogadores da seleção brasileira eram aqueles que enchiam mais meus olhos de alegria, dentre eles Waldir Peres, Oscar, Renato e Serginho, além de outros selecionáveis, Getúlio, Marinho Chagas e Mário Sérgio e até mesmo o espetacular uruguaio Dario Pereyra.

Após a correria inicial para conseguir os autógrafos, a possibilidade de me aproximar e bater papo com cada um deles era algo ainda mais incrível. Muitos dos atletas se mostraram muito solícitos e gentis. O mais legal deles, sem sombras de dúvida, foi Getúlio, o “Gegê da Cara Grande”. Oscar e Renato também foram bem agradáveis, assim como Everton e Paulo César. Serginho passou muito rápido e juntamente com Marinho e Mário Sérgio, logo sumiu pelos calçadões da Avenida Beira Mar. Em certo momento, ao olhar para o lado avistei Waldir Peres, goleiro titular da seleção brasileira.

Com relação ao arqueiro são-paulino tinha uma admiração particular. Anos antes confesso ter preferido Toinho, goleiro que viera do futebol piauiense, à Waldir Peres. Mas esta preferência mudou após uma partida frente ao Santa Cruz, que possuía uma equipe fortíssima, no estádio do Pacaembu, em 1978. Naquela tarde, Waldir foi decisivo na vitória do São Paulo por 1 a 0, ao fechar o gol com defesas incríveis. Posteriormente, em 1981, ele que fora reserva da seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1974 e 1978, ganharia a titularidade, até então de Carlos, durante o primeiro grande momento do escrete canarinho comandado por Telê Santana, a excursão pela Europa. Foram três vitórias, 1 a 0 frente a Inglaterra, em Wembley, 3 a 1 contra a França, no Parc des Princes e 2 a 1 diante a Alemanha, no Neckarstadion na cidade de Stuttgart. Frente aos germânicos, Waldir viveu o ápice de sua carreira. Faltavam dez minutos para o fim do jogo e o Brasil já vencia por 2 a 1. Paul Breitner, capitão campeão mundial em 1974, que nunca tinha perdido uma penalidade em sua carreira até ali, partiu para a cobrança. A bola foi no canto esquerdo, mas Waldir defendeu. O árbitro, sob alegação do goleiro ter se adiantado, anulou a cobrança. Breitner chutou novamente, desta vez no outro canto e Waldir defendeu mais uma vez. Que Toinho que nada, eu me tornara Waldir Peres Futebol Clube.

Diante disso, a oportunidade de falar com ele era algo que marcaria para sempre meu coração. E marcou… me dirigi para ele e comentei: “Waldir, quase ganhamos do Flamengo né? (semanas antes o São Paulo tinha perdido da equipe rubro negra, então campeã mundial, por 3 a 2 no Maracanã), mas amanhã vou lá te ver e vamos vencer”. Ele se virou para mim, se levantou e foi embora. Com sorriso amarelo, olhei ao redor dos meus primos, todos rubro negros e falei, transparecendo não estar chateado, “acho que não deveria ter falado nada sobre o jogo contra o Flamengo”. Na verdade, estava triste e tão logo cheguei em casa me isolei no quarto do meu avô Felipe. Ao notar meu silêncio, meu avô logo quis saber o que ocorrera. Confesso que era difícil esconder algo dele. Comentei todo o episódio e gravei suas palavras: “Junior, vivo no mundo do futebol e sou fã de muitos jogadores mas só quando eles estão uniformizados e em campo. Fora dele, nem quero saber deles”. Mais uma lição. No dia seguinte, com Waldir em campo e comigo na arquibancada, vencemos.

SÃO PAULO 2 x 1 FERROVIÁRIO (CE)

Data: 07/fev/1982;

Estádio: Plácido Castelo (Fortaleza, CE);

Árbitro: Anivaldo Seixas Magalhães;

Público: 18.126;

São Paulo: Waldir Peres, Getúlio, Oscar, Dario Pereyra, Marinho Chagas, Almir, Renato, Everton, Paulo César (Heriberto), Serginho e Mário Sérgio. Técnico: Formiga

Ferroviário: Barbiroto, Paulo Maurício, Góis, Zé Carlos, Jorge Henrique, Augusto, Vicente Cruz, Meinha, Zé Roberto, Paulo César Cascavel (Carlos Brasília) e Almir (Doca). Técnico: José Oliveira

Gols: Vicente Cruz 44' 1º t, Serginho (pênalti) 11' 2º t e Getúlio (falta) 44' 2º t

Confesso que passei a separar muito bem a relevância dada aos meus ídolos de dentro de campo. Devo admitir, por exemplo, que não consegui pleno êxito nesta separação, talvez por isso ainda me sinta fã incondicional de Telê Santana. Também por conta disso, em 2016, quando tive a oportunidade de atuar por alguns meses na editoria da revista Placar, de certa forma, pus em prova o ensinamento de meu avô. Consegui o contato de Waldir Peres, na época técnico de futebol, e busquei contatá-lo para uma reportagem na seção da revista onde ex-atletas apresentavam suas equipes dos sonhos. Era a oportunidade de voltar a falar com meu ídolo de infância. “Olá Waldir, tudo bem?….” e segui pontuando o orgulho de estar falando com ele. Recebi de volta um seco: “Da onde você é mesmo? O que você quer?” Coube a mim repetir, desta vez de forma mais tensa e medrosa. Ele encerrou: “Mas para que vocês querem isso mesmo? Vamos fazer uma coisa, me deixa teu telefone que quando eu puder eu te ligo de volta, ok?” Lá estava eu com o mesmo sorriso amarelo de 1982. Jamais houve a ligação. Pouco mais de um ano depois, em 23 de julho de 2017, aos 66 anos, Waldir Peres faleceu após sofrer um infarto fulminante.

Waldir Peres foi um dos grandes nomes da história do São Paulo Futebol Clube, o segundo atleta com maior número de atuações, com 617 partidas, certamente uma pessoa muito querida pelos seus amigos, familiares e por outros tantos torcedores tricolores. Para mim, um grande jogador de futebol por quem torci muito em campo.

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José Renato Sátiro Santiago
José Renato Sátiro Santiago

Written by José Renato Sátiro Santiago

Consultor e Professor, atuo e escrevo sobre temas relacionados a Gestão do Conhecimento, Inovação, Pessoas, Projetos e Lições Aprendidas